segunda-feira, 16 de junho de 2014

Caminhando pelas ruas de Londres

Por Hélio Moreira O Dr. José Vieira Couto de Magalhães é pouco conhecido da juventude estudantil de Goiás, embora tenha tido participação ativa na história do nosso Estado, pois, na época do Império, no ano de 1863, foi Presidente da então Província de Goyaz, tendo sido um dos primeiros desbravadores a propor e a testar a navegação do rio Araguaia, com o intuito de diminuir o isolamento da Província com o resto do Império. Foi ele, também, quem propôs, oficialmente e pela primeira vez, a mudança da capital do estado, da cidade de Goyaz para outro local, tendo sugerido a localidade de Aruanã, na época conhecida como Santa Leopoldina. Esta introdução é apenas para deixar patente a sua importância para nossa história. Em 2005 escrevi a sua biografia (Couto de Magalhães – O último desbravador do Império, Ed. Kelps, 2005) e um dos capítulos que me deu maior satisfação foi a narrativa que fiz da sua permanência em Londres por quatro anos, quando foi “vender” para os banqueiros ingleses a concessão que havia ganho do Imperador Dom Pedro II, para construção de uma estrada de ferro, ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Durante o período em que viveu em Londres, Couto escreveu um Diário (Diário Íntimo) que foi descoberto nas dependências do Arquivo do Estado de São Paulo e que foi publicado em 1998 (Cia. das Letras), pela Profa. Maria Helena P.T. Machado, após organizá-lo. Acompanhar, pela leitura do Diário, os passos de Couto de Magalhães pelas ruas e logradouros de Londres foi um exercício de encantamento, pois percebi que também eu caminhei, quando ali morei pelo período de seis meses no já longínquo ano de 1972, pelos mesmos locais que ele. Leiam comigo um trecho do que escrevi no meu citado livro, percebam que apesar de descrever os locais que ele cita no seu Diário, acrescentei, como é norma nas biografias romanceadas, alguma ficção e, também, a figura do “narrador, com o intuito de que o texto ficasse mais palatável sob o ponto de vista cultural, preservando, no entanto, todos os fatos por ele relatados; lembrar que Couto, no seu Diário, está descrevendo Londres dos anos de 1876/80. “A caminhada, embora o frio e uma irritante garoa lhe incomodasse um pouco, fez-lhe bem; Londres continuava sendo a cidade dos seus sonhos, não existia paralelo entre a movimentação daquela metrópole e as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, porém este detalhe não lhe perturbou; de vez em quando parava e anotava na sua caderneta a trajetória que estava percorrendo e, principalmente, fazia anotações no seu mapa, aliás, recém adquirido em uma banca de jornais nas imediações de Picadilly Circus ... Se eu fosse consultado sobre qual rua ou avenida seria mais representativa da vida urbana de Londres, não teria duvida em afirmar que seria a Regent street; acrescentaria ainda, como orientação ao inquiridor: caminhe por esta rua no sentido de Oxford Circus para o Picadilly, faça-o sem pressa, observe a movimentação das pessoas, a decoração das lojas e tente, se você já esteve ali antes, encontrar os mesmos endereços comerciais de vinte, trinta anos atrás. Eles não mudaram! A pequena praça onde se localiza o famoso Picadilly é parada obrigatória; se você se achar com espírito festivo, aconselho-o a sentar-se nas escadarias do pedestal da escultura em homenagem ao pequeno cupido e ficar ali durante algum tempo, sem compromisso, somente observando os passantes, colocando defeitos nas vestimentas das pessoas, admirando algumas outras e, principalmente, sentindo-se de bem com a vida. (Anotações de Viagem, H. Moreira – Londres, 1972) ... Ao chegar em New Bond Street ele entrou em uma galeria de artes, cujo nome, Galeria do Doré, chamou-lhe a atenção pelos dizeres dos cartazes colocados na porta, alertando os transeuntes para a exposição de quadros de um pintor de nome Manet, que estava fazendo algum sucesso em Londres, principalmente pelos elogios frequentes, partidos do célebre romancista francês Emile Zola. Couto foi tentado a comprar um quadro com uma bela paisagem policrômica, porém, por qualquer motivo, que não o financeiro, desistiu; depois de, inclusive sentar-se, demoradamente, de frente a uma pintura do citado artista que lhe chamou, especialmente, a atenção, tendo discutido com o marchand alguns detalhes da técnica que estava sendo empregada pelo pintor na produção daquele particular trabalho. - Quero que o senhor conheça Olympia, obra realista, onde o artista Manet expõe toda sua visão anticonformista, sem se preocupar com o possível escândalo que iria provocar no gosto burguês, uma vez que, ele mesmo, pertence a esta classe social; Olympia, fala já um pouco agitado o marchand, é mais escandalosa do que muitas obras realistas que conhecemos, inclusive, com mensagem social mais explícita ... Aproveitamos um final de semana, economizando de onde não podíamos fomos, Marília e eu, até Paris para conhecer a “cidade Luz”, cuja magia dos Museus e dos seus Boulevards empolgava o espírito dos dois jovens. Ali, fomos ao Museu D ´Orsay e ao entrarmos na sala dedicada ao pintor impressionista Edouard Manet, deparamos, com a pintura denominada Olympia, provavelmente o mais famoso nu feminino do século 19. Esta pintura pertence à Nação Francesa, como sinaliza um panfleto colocado em um pequeno banco nas imediações do quadro, tendo provocado desde a sua primeira apresentação ao público um grande escândalo, pois se trata de uma prostituta deitada em um leito, com olhar de confrontação para o publico (Anotações de Viagem, H. Moreira – Londres, 1972) ... Pelo que estou percebendo, o senhor gosta muito de pintura, não deixe de passar, de vez em quando, na National Galery, que está localizada na Trafalguar Square; ali o senhor terá a oportunidade de conhecer muitas e maravilhosas pinturas. Couto agradeceu, despediu-se e continuou sua caminhada com passos lentos e despreocupados, antes de demandar um tilburi, voltou a consultar o mapa e verificou que a Praça Trafalgar Square não estava muito longe dali e, como sempre fazia, programou para ir visitar a National Galery em outra oportunidade. Estando no Picadilly deseja continuar a caminhada? Logo à esquerda você encontrará a Rua Shaftesbury; se tiver dúvida de como achar esta “Rua dos teatros” pergunte ao jornaleiro que tem a banca bem na esquina, debaixo daquela marquise; você será, graças à cortesia britânica, devidamente esclarecido. Porém, como não sei se você está, realmente, a fim de ir a um teatro, posso sugerir-lhe outra alternativa: continue caminhando pela Regent street, um pouco abaixo, sem perder de vista a referência do Picadilly, entre em qualquer uma destas ruas à direita, acompanhe o fluxo de gente, logo você chegará à Galeria Nacional, localizada na Trafalgar Square. Ali, vale à pena perder algumas horas, porque você encontrará obras maravilhosas, algumas da escola impressionista, com destaques para Renoir, Manet e Van Gogh (só esta sala vale a visita). Tem mais tempo? Descubra onde estão os Canalettos (impossível existir pinturas mais bonitas). (Anotações de Viagem, H. Moreira – Londres, 1972) (Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

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