segunda-feira, 16 de junho de 2014

O arrojo de Ary Valadão na agricultura

Por Wandell Seixas
O governo de Ary Ribeiro Valadão (1979 a 1983) foi muito voltado para o fomento da atividade agropecuária e de preocupação com as regiões menos desenvolvidas, como o Norte e Nordeste do Estado. É fácil essa constatação mediante a percepção pelos projetos de envergadura como o Rio do Sono e Rio Formoso no vale do Araguaia, hoje Estado do Tocantins. No Bico do Papagaio, a tarefa de quebrar coco babaçu para remover as amêndoas destinadas ao fabrico do azeite era tradicionalmente da mulher. Uma lida, sem dúvida, cansativa e muito arriscada. Qualquer corte em falso, a machadinha poderia causar acidente sério, como a perda de dedos ou das mãos. O mercado de consumo era a cidade de Imperatriz, no Maranhão. Ary, sensível à questão, sobretudo à baixa remuneração à quarta do coco (espécie de medida adotada na região) criou a empresa Goiás Babaçu. A iniciativa provocou a melhoria de renda e as mulheres passaram a comprar melhores roupas. Do babaçu extrai-se óleo, ração e farelo. Dona Maria Valadão, na condição de primeira-dama, ante a pobreza das mulheres da região entendeu por bem instituir a Casa da Farinha, introduzindo depois o açúcar mascavo. Em Augustinópolis, os nomes de Ary Valadão e de dona Maria até hoje são lembrados, para não dizer endeusados, porque além dessa iniciativa, instalou maternidade, campo de pouso, doou terrenos e adotou outras de alto cunho social. O Projeto Rio Formoso despertou o mundo pelo sistema irrigado e produção em alta escala, propiciando a mecanização. No sistema adotou-se a organização cooperativista, com agricultores do Sul, que se atreviam mais ao sistema, ao contrário da timidez dos goianos. Com a sua implantação, a área praticamente ociosa que forma os últimos planos da bacia do Araguaia e seus afluentes, foi avaliada em 60 mil quilômetros quadrados. Aqueles varjões de terra preta conservam a umidade por praticamente todo o período da seca, razão da contínua cobertura verde nas estiagens. As inundações chegam a lembrar as irrigações do Nilo, no Egito, com o controle das águas. Para tanto, foram erguidos diques e canais, gerando a gravidade e conseqüente irrigação em curvas de nível. Sulcos foram abertos no terreno até alcançar as camadas sólidas de argila, formando ainda lagos que se tornaram reservatórios de acumulação e adotado sistema de bombeamento. Se os custos da obra foram considerados altos, as colheitas generosas de arroz durante o período da seca ou das chuvas superaram os investimentos. Talvez sem querer, o governo de Ary Valadão tenha propiciado um dos primeiros casamentos entre a agricultura e o meio ambiente ou o chamado desenvolvimento sustentável, propalado mais de vinte anos depois pelo Brasil afora. A ecologia sentiu seu despertar com o novo projeto, que se inseria o lado econômico propriamente dito com o cultivo do arroz, o ambiente tornou-se propício à criação de peixes, capivaras, veados, emas e patos. È inegável que naquele período, havia praticamente uma monocultura do arroz e ainda na condição de sequeiro. A tecnologia da irrigação trouxe um novo alento tanto para a cultura arrozeira quanto, pouco depois, para outros produtos, entre elas o trigo, o café, a soja, o tomate e assim por diante. Em função do sistema irrigado, produtores dos cerrados goianos podem obter hoje em dia índices de produtividade no trigo superiores aos encontrados nos Estados Unidos e Canadá. Se a iniciativa começou pelo governo, o exemplo do Projeto Rio Formoso foi seguido pela iniciativa privada. Então, um grande mérito a Ary Valadão que para a empreitada abriu fronteiras através da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Goiás (Codeg), para elaboração e implantação do projeto executivo do empreendimento. A primeira colheita foi iniciada em junho de 1980 com a presença do ministro da Agricultura, Amaury Stábile, antes reticente com a idéia, mas posteriormente um dos seus entusiastas. Delfim Netto, o verdadeiro califa da economia brasileira no regime militar, conheceu o projeto, a exemplo do presidente João Baptista Figueiredo, na segunda colheita. Entusiasmado com o que os seus olhos viam, Delfim disse a certa altura de seu discurso: - O Brasil não nasce no litoral, o Brasil nasceu aqui no Centro-Oeste. Grandes colheitadeiras deram um verdadeiro show, criaram uma imagem da capacidade empreendedora do brasileiro, de uma agricultura comercial de alta escala não apenas em Goiás, como nos demais Estados do Centro-Oeste e hoje do Tocantins, sul do Pará, Maranhão, Piauí e oeste da Bahia. Graças a essa visão futurista, num curto prazo a Região tornou-se celeiro do Brasil. Há problemas, adversidades, sim, mas plenamente superáveis e desde que o governo em geral não atrapalhe a vida de quem produz. A segunda etapa do projeto foi vendida à Coperjava, cooperativa formada por produtores de Goiás e tendo à frente João Lenine Bonifácio de Souza, não menos arrojado que os gaúchos, e sempre presente na posição de vanguarda da agricultura goiana. A Cooperformoso representou pioneirismo no segmento, contando com agricultores do Rio Grande do Sul. Mas, ambas abriram novas perspectivas associativistas no Estado. A constituição do Projeto Alto Paraíso tem uma história. Chegando já ao anoitecer na cidade de Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros no paralelo 13º, o governador Ary Valadão vislumbrou a beleza do lugar, mas sentiu a sentiu a pobreza do lugar. O Projeto Frutas Nobres despontou para dar uma nova vida econômica e social aos moradores da região nordeste goiana, sobretudo geração de empregos ou uma fonte de renda compatível com a dignidade humana de um povo sofrido. Para por o projeto em prática, técnicos de seu governo procuraram se inteirar de iniciativas na área de frutas em Israel, onde suas terras são áridas, mas produzem de tudo, e na França. Segundo Ary Valadão, no tempo do Império houve cultivos de trigo, de maçã, pêra e outros frutos na região, onde a temperatura pode chegar a 6 graus durante bom período do ano. Cerca de 1.600 mudas de frutas nobres e tropicais foram levadas ao projeto que pereceu posteriormente, segundo ele, porque o governo seguinte ignorou a arrojada iniciativa. Os locais são bem dotados de água e de solos diversificados. Por isso, segundo os agrônomos, servem para os mais variados cultivos. As altitudes são de 1.300 metros da Chapada dos Veadeiros. Esses lugares são propícios ao trigo, aveia, centeio, cevada, maçã, pêra, uva. Nas baixadas descortinam os chapadões e a altitude chega a 600 metros, onde o clima torna-se mais quente, bons para o cultivo de milho, arroz, cana, feijão, abacate, abacaxi, manga, laranja, melancia, açaí, bacaba e murici. A ideia do governo Valadão era tornar Alto Paraíso numa espécie de capital do nordeste goiano. Por isso, seu plano era concentrar a economia na região, implantar um conjunto hortigranjeiro composto de mil glebas, com dimensionamento variável de áreas entre cinco e 15 hectares. A ambição do projeto era produzir alimentos de alta qualidade como azeitona, maçã, pêssego, figo, caqui, de clima temperado. Dentro do Projeto Alto Paraíso, abriu o leque com o Projeto Caju, que não chegou a ser executado. Do conjunto de pequenas glebas, era esperada a produção de cem mil toneladas anuais. O projeto pretendia ainda desenvolver criatório de abelhas, coelhos, cabritos e aves. Um projeto agrícola, para tocar o trigo, café, batata para semente, cana para a produção de álcool, formação de uma floresta numa área de cem mil hectares, compunha o traçado do governo, através de uma cooperativa. O Projeto Alto Paraíso envolvia a complementação nas áreas de transporte, interligando os municípios, energia elétrica para atender a demanda urbana e agroindustrial, comunicação, programa de saúde e assistência, entre outros. Com essa iniciativa, o governador Ary Valadão estava convencido de melhorar a qualidade de vida da população. O salto tecnológico no campo era considerado como necessário por ser a região das mais pobres do país. (Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste, e editor do DM Agroindústria)

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