quinta-feira, 12 de junho de 2014

Snowden entre nós

Por Jorge Carrano
O mesmo Edward Snowden que acaba de conceder as primeiras entrevistas para uma repórter brasileira em Moscou não entrou no palco, em recente evento do TED, no Canadá. Apareceu em cena via um robô, que ele operava de algum lugar no território russo. A localização dele é segredo, pois é procurado pelas agências de segurança dos EUA e da Europa. O que fez Edward Snowden? Revelou segredos da NSA (National Security Agency) sobre o programa do governo Obama para espionar pessoas, empresas e governos. Quando perguntado por que resolveu vazar as informações para a Imprensa, Snowden deu uma declaração interessante. Disse que poderia ter ido a uma comissão do Congresso, mas percebeu que, sendo um funcionário de uma agência de segurança, provavelmente "desapareceria" junto com sua história. Mas a Constituição americana garante liberdade de expressão da Imprensa. Garante. Snowden, então, percebeu que seria o único caminho. Isso nos remete à vital necessidade de uma imprensa livre. Livre não quer dizer inconsequente ou irresponsável. Mas livre tem que significar o direito de pesquisar, investigar, entrevistar e dar voz aos cidadãos sobre qualquer assunto, por mais crítico e sensível que seja. Transparência é uma característica imprescindível do nosso mundo conectado. Algumas empresas e raros governos já perceberam isso. O caso Snowden, de certo modo, remete ao de Julian Assange, fundador do site Wikileaks, do grupo Anonymous ou da blogueira cubana Yoani Sánchez, igualmente importantes por revelarem coisas que governos e empresas tentam manter em sigilo. Em todos esses casos, os autores das denúncias só encontraram na internet o espaço para se fazerem ouvir. Apesar de essas iniciativas serem continuamente repelidas pelos porta-vozes dos governos, e seus autores taxados de criminosos, começa a surgir um perigoso senso comum de que abrir mão do sigilo e da privacidade é um preço aceitável para ter acesso ao novo universo de interações das redes sociais e aplicativos. As novas gerações parecem importar-se pouco com o fornecimento de dados pessoais ou para a forma como esses dados são tratados pelos sites. No entanto, abrir mão de seus direitos – neste caso, o direito à privacidade – é uma atitude muito arriscada. Como disse Snowden, “seus direitos importam muito porque você nunca sabe quando vai precisar deles”. O terrorismo, presente na agenda global depois do “11 de setembro”, acaba por trazer dois impactos terríveis. O primeiro é o ato de violência em si, que quase sempre atinge alvos civis. O segundo é que, por seu impacto emocional, o terrorismo torna as pessoas mais suscetíveis a fazerem concessões dos seus direitos. E isso interessa a todos os governos não éticos, que agem pensando em primeiro lugar na perpetuação do próprio poder. Sob o impacto do terror, as pessoas cedem às revistas, ao raio X, ao excesso de câmeras, ao monitoramento das comunicações. Isso movimenta uma poderosa indústria de serviços de segurança, equipamentos, de big data, de anúncios sob medida nos sites e redes sociais. Mas a tecnologia que permite aos governos espionar as pessoas é a mesma que dá também poderes às pessoas de fiscalizar os governos. Edward Snowden não teria dado sua palestra no TED se não fosse pela tecnologia. Ela permitiu que, de algum lugar escondido, ele estivesse “presente” e levasse suas ideias e voz ao público. Esta palestra, em seguida disponibilizada na internet, amplia novamente sua voz. Aqui, pouco importa concordar ou discordar com sua atitude ao revelar os segredos. Isso é irrelevante. O ponto central é que a internet tem, como toda tecnologia, a possibilidade de ser usada para o bem ou para o mal. Mas se queremos uma internet para o bem, em primeiro lugar ela precisa ser livre. Se não for livre, não poderá agir a favor da liberdade. O que queremos fazer com a internet, como sociedade, diz muito mais sobre quem somos do que aquilo que ingenuamente postamos em nossos perfis no Facebook. (Jorge Carrano, presidente da agência digital Tau Virtual)

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