sexta-feira, 20 de junho de 2014

História de um bom filho

por Iron Junqueira
Nelson Gomes de Toledo foi o primeiro garoto que chegou ao Lar HC. Estudava no Educandário Espírita de Anápolis à noite, quando era adolescente e fazia o ensino fundamental. Certa vez apareceu no Lar em horário de aula. Perguntei-lhe porque não estava na escola. Contou-me que havia brigado com um colega e a Diretora os mandara para suas casas. “— E por que brigou, brigou por quê?” Quis eu saber. O jovem: “— Ele me falou mal de mim, me chamou de FDP e eu casquei o braço nele...” Mais alguns dias e eis de novo o Nelson cabulando aula. “— Matando aula, Nelson? Você não é disso!” Respondeu-me o garoto: “— Não tio. A Diretora me deu uma suspensão”. “— De novo? Por quê?” Quis eu saber. “Foi por causa de um moleque que me chamou de FDP”. Três semanas após, topo novamente o Nelson de Toledo entrando portão adentro do Lar e o indaguei. “— Suspenso, de novo, Nelson?” E ele: “— É, tio, outra vez...” “— Por quê?” O rapazinho: “— Briguei”. Insisti: “— Brigou. por que, por que brigou?” “— Di (sic) uma surra num moleque lá”. “— Por que você DIU uma surra no moleque? Nelson Gomes de Toledo deu a mesma resposta: “— Ele me chamou de FDP, então, casquei o braço nele...” Acreditem, por mais duas vezes se repetiu a mesma coisa. Por fim, fui dar uma averiguada no prontuário do Nelson Gomes de Toledo, cujo sobrenome “Toledo” dei-o a ele em homenagem ao meu avô Pedro Cordeiro de Toledo que gostava muito dele, devido às suas traquinagens de três aninhos. No relatório que me fora enviado à época pelo então MM Juiz de Direito constava o histórico do garoto, cuja procedência era a ZBM (zona do baixo meretrício), filho de Fulana de Tal, mulher de programa; que o dera a uma colega; por fim, o lactente, na época sem nome, foi entregue para uma menina de doze anos que “dissera à mãe que o ganhara de fulana”, e esta senhora, minha amiga, sabendo que eu construía o Lar da Criança, me procurou e combinamos que ela iria ao Juiz, regularia a situação da criança, e cuidaria do bebê até que a construção da casa terminasse. E quando o Lar da Criança HC foi inaugurado, quem chegou com o documento do MM e com a criança? A minha amiga que lhe dera o nome de Nelson ( porque já veio com esse nome, explicara ela e, Gomes, que era dela, que preferia ser chamada de avó do guri, então com dois anos, acho); ao regularizar a situação dele perante o Lar o magistrado me dera um Termo de Guarda, com o qual o registrei acrescentando o sobrenome Toledo, do meu avó. Voltando ao começo, depois de rever tal documento, chamei o Nelson ao escritório, na altura dos seus 15 anos e dei-lhe o documento para que o lesse. Leu-o tranquilamente e sorriu. “— Essa é a sua história, até onde sei”. E fiz a pergunta final: “— Responda-me agora, Nelson: você é filho de quem? Ele gargalhou e respondeu: “— Sou um FDP, ora!” “— Então, por que ficar perdendo tempo e aulas por conta de briguinhas e desse nome que todo mundo usa uns contra os outros?” Naquela noite, levei-o para a porta da casa e mostrei-lhe o céu estrelejado, dizendo-lhe: “— Quem pode afirmar que os próprios pais não prevaricaram, antes de se casarem?” Ele, refletivo: “— É mesmo sô...” Adiantei, olhando para os céus: “— Quando alguém lhe xingar de FDP, saiba que isto é normal entre os humanos, porém, olhe para os céus e diga para você mesmo: sou filho das estrelas, dos astros, do firmamento, sou filho de Deus!” “— Farei isto, tio, daqui para frente!” E de fato: daquela explicação até hoje, nunca mais o Nelson perdeu aula nem brigou com colegas por conta da sigla tão incômoda. É trabalhador, bom, reconhecido, grato e está na foto que hoje ilustra a coluna, quando o encontramos na NOBEL, onde fomos em número de cinco, comemorar os 18 anos de Vanderlei da Silva Lima, filho do Lar HC, que ficara conhecendo o famoso Nelson Gomes de Toledo. Juízo, hein, Nelson! Ou você me faz “pagar a língua...” Em tempo: Nelson, mande um abraço para o Adilson Galdino, nosso amigo e colega de imprensa, hoje em Conceição do Araguaia, onde ambos residem. Este relato foi consentido por Nelson de Toledo, sem constrangimento, ao contrário, com alegria por quem tem cabeça aberta e não foge da realidade. Abração, Nelson! É isto. (Iron Junqueira, escritor)

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