segunda-feira, 16 de junho de 2014

Um dia muito quente

por Daniel Antônio de Oliveira
Sempre levantei da cama muito cedo, quase sempre antes das 5 horas da manhã. Leio alguma coisa, às vezes rabisco um negócio qualquer, que eu tenho a mania de denominar poesia. Gosto muito do que escrevo, por não ter nenhum rebuscamento, é tudo muito simples, saído da alma, dos sentimentos, dos ressentimentos, das histórias vividas. É assim que sou poeta, eu mesmo me contento vendo-me olhando para dentro de mim e colocando-me no papel, um poema escrevendo. Não é para isso que abrir esta página, na verdade é para contar uma história da minha valentia. Adoro esta palavra, soa-me como um poema, sinto-me dentro dela, sinto-me produto da minha própria valentia, sinto-me valente até quando me acovardo, pois tive coragem de me acovardar. Valente sou mesmo é quando tenho medo, sinto-me valente quando pelo medo me faço recuar. Que sofismo filho da puta. O Prego me ligou lá do Guapó e me pediu para acompanhar um seu sobrinho que tinha dado um tiro num soldado da Polícia Militar. Na verdade o rapaz era sobrinho de sua esposa e ela tinha pelo jovem grande estima. Ela temia que a Polícia o matasse. Isto ocorreu pelos idos de 1978, ainda vivíamos no regime dos torturadores e dos torturados. Ocultei o rapaz em lugar seguro e liguei ao 1º DP para combinar sua apresentação à Polícia. Falei com o Delegado, titular da especializada cujo nome me parece que era Dr. Cassimiro. Marquei para o dia seguinte às 13 horas, e no horário combinado liguei para o meu sócio de escritório e pedi-lhe que acompanhasse o referido jovem ao DP, onde eu me encontrava aguardando. Às 13 horas em ponto lá estava eu no DP, sai da Câmara Municipal e fui até o DP que ficava próximo. Esperei até às 15 horas, naquela época não havia celular, e eles não apareceram, retornei-me à Câmara Municipal e encontrei logo na entrada a repórter Márcia Elizabete da TV Anhanguera. Daniel Antônio preciso de uma entrevista sua. O Comandante Geral da PM deu uma entrevista acusando você de estar dando fuga a bandido em carro oficial. Sorri e disse que ela estava brincando, não conhecia o Comandante da PM, não tinha relação nenhuma com qualquer tipo de Polícia. Fui saindo, quando ela ligou a câmera e mandou que eu olhasse a fala do Coronel Comandante. Um tapa na cara não teria me assustado tanto como o que ouvia o Coronel dizer, virei um urutu. Disse para a Márcia, ou ele me mata ou eu mato ele, se ele não retirar esta deslavada mentira jogada no ar. A Márcia disse: não é mentira, eu filmei o carro, o sócio do seu escritório correndo para não falar comigo, o motorista e o bandido. Na filmagem estava tudo parecendo a mais cruel verdade. Como eu havia ligado do Gabinete e o meu sócio sabendo que o motorista ia passar em frente ao Distrito Policial pediu-lhe uma carona até a Delegacia e depois voltava comigo para Campinas. Naquela época a Polícia monitorava por ordem do Comandante Geral, que era do Exército Brasileiro, toda a atividade política, todos os políticos, eu já era há muito freguês da P2 e das forças de repressão, só que eu tinha partido, tido como legal, o MDB, que era minha trincheira na luta contra os esbirros da ditadura. Dirigi-me ao Quartel da PM em frente ao Mutirama para falar com o Comandante, exigir dele uma retratação. Ainda pensei vou ver se sou macho mesmo. Vou desafiar o Coronel para provar o que ele acabou de afirmar, vou contar a ele a verdadeira história e dizer a ele da sua irresponsabilidade, maldade, modificação dos fatos. Ou ele diz a verdade que estava me monitorando, ou eu quebro a cara dele, ou saio de lá morto. Apresentei-me no gabinete do Coronel¸ o ajudante de ordem era o Capitão Osvaldo Mota que me recebeu cordialmente, ofereceu-me água e café. Mas eu dispensei. Disse a ele que precisava falar com o Comandante Geral. Ele entrou no Gabinete, falou com o Coronel, ofereceu-me assento e pedisse que eu aguardasse. Devo ter esperado uns 60 minutos e fui convidado a entrar no gabinete do Comandante, este estava sentado atrás de uma mesa, quando me aproximei ele levantou-se abruptamente e de dedo em riste, enfiado na minha cara, gritou alto e em bom som: “você estava dando fuga a bandido em carro oficial.” Da mesma forma que veio, foi: “eu estava dando fuga era para a puta que te pariu seu filho da puta, torturador.” Avancei com toda a minha fúria sobre ele e sua mesa, espalhando papéis por todo lado e a mão esquerda (sou canhoto), voando no rumo da sua fusa. Você está preso. Recebi a ordem da prisão e lhe disse, prender você pode, mas gritar comigo e me ofender você não pode, não sou seu subordinado, não admito agressão sem resposta. Dentro do gabinete do Coronel estavam sentados, nos sofás, quatro Coronéis, dois deles eu ainda me lembro dos nomes, era o Coronel Geraldo de Freitas e o Coronel Agnelo. Fui preso, numa cela dentro do próprio quartel onde se encontravam outros presos, eram soldados da Polícia Militar e tinham sido torturados, receberam choques, pau de arara, agulha, isto segundo me contaram, e ainda me disseram você está fudido, vai ser torturado também. Respondi a eles que se o Coronel fizesse isso comigo seria um torturador a menos, ia morrer. Fiquei preso até às 4 horas da manhã, na mão de um doido, com poderes discricionários e inquisitivo. Não fui torturado. Não tive em momento algum qualquer manifestação de medo, pois tinha ido no quartel com o intuito de morrer se fosse preciso. A porta do quartel virou uma zorra total, lá estavam políticos do MDB, sendo eles Deputado Fernando Cunha, Deputado João Divino Dorneles, Senador Lázaro Barbosa e outros. A OAB inteira comandada pelo Senhor Doutor Ecellim, a maçonaria e toda a imprensa de Goiás aguardando a saída do defunto. O Coronel me processou por desacato, foram ouvidas na audiência duas testemunhas, sendo Coronel Geraldo de Freitas e o Coronel Agnelo, que narraram os fatos conforme eles ocorreram. O juiz me absolveu porque considerou que eu fui afrontado, agredido e ofendido primeiro. Só havia respondido as agressões. Por isso é que eu me orgulho do Daniel Antônio. Naquele tempo os comandos das polícias de todo Brasil eram reserva do Exército Brasileiro, era um Major do Exército com o posto de Tenente Coronel e com função de Coronel que comandava a Polícia Militar, naturalmente para humilhar as polícias militares, só que o Exército Brasileiro temia essas polícias, medo político, medo das PMs se unirem aos Governadores dos Estados e afrontarem o arbítrio instalado no Brasil. O Governo fazia uso político das nossas polícias estaduais, foi assim na Guerrilha do Araguaia, no Bico do Papaguaio e em Xambioá, nos movimentos estudantis e como bem entendesse. Graças às lutas dos democratas, iluminados por ideias oriundas de povos civilizados, com a ajuda do nosso povo, do arbítrio ficamos livres. Viva a liberdade, que é como cavamos masmorras ao vício e templos a virtude. Esse Coronel do Exército esteve em Goiás e comandou a Segurança Pública durante dois governos o do Senhor Irapuan e o do Senhor Ari Valadão, ambos governadores biônicos, isto é nomeados pela ditadura. Em 1982, o Iris foi eleito pelo voto democrático do povo e quis manter no cargo esse mesmo Coronel. Disse para o Iris você o mantém e me terá como seu inimigo. Foi assim que o Coronel da ditadura não permaneceu no Comando da PM. Muitos quererão saber o nome desse Coronel, eu não o pronunciei durante a minha narrativa porque ele já é falecido. Aos mortos a paz. Que Deus o tenha, não lhe tenho raiva apenas conto uma história. (Daniel Antônio de Oliveira, ex-prefeito, ex-vereador, ex-deputado, ex-presidente da câmara)

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