quinta-feira, 12 de junho de 2014

Nem os anjos perdoam

Por Iron Junqueira
Aqueles olhos azuis destacavam mais a beleza exuberante da moça de pele morena, cabelos negros e rosto de anjo, que me falava com voz suave que saía de seus lábios bem delineados e definidos. Eu mal prestava atenção no que ela dizia, pois fiquei fascinado com a jovem, pequena, e perfeita de encantos. Falava-me de seus três filhos que pretendia deixá-los internos no Lar da Criança HC. Quando ia me explicar o motivo pelo qual queria nos entregar os filhos, o carro da polícia subiu a nossa rua e virou à primeira à direita. — Eu vou ausentar-me de casa e preciso deixar minhas crianças num local seguro. Falaram-me daqui, então... Nisto, um senhor que descia a rua passando pela calçada do Lar, onde eu conversava com a mulher com rosto de anjo, ele me chamou a atenção: — Iron, faça-me o favor... — e me chamou com um gesto — quero que me informe um endereço aqui... – disfarçou. — Pedi licença à mulher morena e muito linda, e fui atender logo o referido senhor. Era um policial à paisana que, discretamente, sem que a mulher o ouvisse, me indagou: — Essa senhora está lhe pedindo vaga para três filhos? — Sim, está... Respondi-lhe. — Preciso lhe falar sobre ela. Então a chamei para o escritório do Lar, pedi-lhe que sentasse, e que me aguardasse um pouco, enquanto eu terminava de atender o senhor que me esperava lá fora. A morena assentiu ao meu pedido e ficou no escritório, enquanto eu voltava para a calçada e terminava de ouvir o cidadão que me pedira a informação sobre suposto endereço. Foi quando o policial à paisana me contou toda a história da moça com porte e pose de anjo: — Eu vou lhe contar o histórico dela. Mas em seguida irei prendê-la. O carro da polícia que subira ainda há pouco está parado na esquina da rua em que entrou. Meus colegas estão me esperando. Contudo, por ordens superiores, devo, antes, lhe relatar o que esta mulher acabara de fazer... Foi quando o policial, trajando roupa civil, pôde observá-la, ver seu rosto, e antes de contar logo o fato comentou admirado o belo rosto da mulher que, segundo ele, terminara de matar um homem, exclamando: — Sinceramente, Iron. Eu nunca imaginei que um anjo fosse capaz de matar alguém com tanta frieza. — Tá! Apressei o policial, porque eu estava curioso. O que foi que ela fez? O investigador então me contou com detalhes. — Essa bela mulher, que mais parece um anjo, de face serena e encantadora, mora na roça com os três filhos. Tem marido que trabalha de empregado numa fazenda, e vivia sendo assediada pelo Fernando, irmão de seu marido Nicolau, ela se chama Miranda. Todo dia, por volta das três horas da tarde, seu cunhado saía do trabalho numa olaria ali perto e, aproveitando da ausência do irmão Nicolau, chegava à porta da casa de Miranda, botava o pé esquerdo no degrau da porta e tentava conquistar a simpatia da encantadora cunhada. — Mas, Miranda, você não me convida pra entrar e tomar um café? — Não. Respondia a morena, imagem perfeita de mulher que encanta. Sei que café você quer... — Ora, replicava Fernando, café é café. Nada mais do que café! — Mas eu entendo. Quer que eu lhe deixe entrar hoje, bebe uma xícara de café, mas voltará amanhã, depois de amanhã, sempre com a mesma história do café. Vá para o seu serviço e lembre-se de que seu irmão Fernando não está sabendo das suas intenções. Sem graça com a perspicácia de Miranda, o cunhado voltava para a olaria, completamente frustrado. Mas no dia seguinte, sabendo que as crianças estavam para a escola e o irmão para a fazenda, eis de novo Fernando retornando à casa do mano, com o propósito de convencer Miranda. E assim foi uma semana, duas, três... Numa dessas infalíveis visitas do cunhado, insistindo para que ela lhe fizesse um cafezinho, a linda morena de olhos azuis, cabelos negros e cara de anjo, lhe disse: — Está bem, Fernando. Volte para a olaria. Amanhã lhe darei um café... Exultante, Fernando se foi. No outro dia, por volta das 15hs, eis que o cunhado chega à casa do irmão, venturoso e cheio de esperança. Descansou o pé esquerdo no degrau da porta, acotovelou-se ao joelho e esperou que Miranda lhe preparasse o café. Como havia prometido, a morena de sorriso alvo e face exuberante, deitou lânguido olhar sobre o cunhado enquanto colocava a chaleira na chapa do fogão à lenha. Com uma colher à mão esquerda, mexeu o chá que receberia o pó de café e com a outra mão fez pose, pondo-a na cintura fina. Por fim colocou o café num copo esmaltado e o entregou ao cunhado com a alça para ser segurada por ele que a pegou e começou a degustar o aromoso café da hora. Ela sentou-se no banco da cozinha como fazia de hábito e Fernando sorvia o cafezinho, gole a gole. Ambos estavam em silêncio. Ele aguardando o convite dela para entrar. Ela tranquila esperando o cunhado terminar o café. Depois de beber aquele meio copo da tradicional bebida quente e aromatizada, Fernando sentiu uma vertigem, olhou para a morena e, calmamente, indagou-lhe: — Miranda, você acabou de me matar? — Sim. Respondeu ela. — Com o quê? — Em vez do açúcar, eu moí cacos de vidros com os quais temperei o seu café. Fernando nada disse. Pretendeu salvar a própria vida e saiu andando um pouco lentamente e, a quinze metros da porta da casinha de Miranda, caiu morto. — Agora, disse-me o policial, quando você a liberar aqui, nós a estaremos aguardando ali, no dobrar da esquina, e a levaremos para o delegado que a espera em companhia de Nicolau que, sequer, sabe do ocorrido. Está ciente apenas de que seu irmão está morto, os três filhos com a avó paterna e sabe, apenas, que o delegado mandou buscar Miranda para as últimas acareações. E o policial saiu em direção à rua onde estava o camburão da polícia e mais dois colegas de ofício, esperando a liberação de Miranda. — Vamos esperar mais amanhã, dona Miranda. Falei-lhe. Quem sabe os seus filhos venham para cá. Mas pode ser também que a senhora nem precise se separar das crianças, tendo elas pai, avós e mãe, que é você. Tranquila e serenamente, com aquele sorriso encantador, exclamou, estendendo a mão para as suas despedidas: — É... Tem razão... Só Deus sabe de nós... Deu um tchauzinho com a mão e saiu levando aquele alvo sorriso e aquele rosto lindo de anjo, que nunca mais os vi. Estranhos os mistérios da vida... Enquanto Deus nos conclama ao perdão, indefinidamente, parece que NEM OS ANJOS PERDOAM. (Iron Junqueira, escritor)

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