sexta-feira, 13 de junho de 2014

Solidão na cor, na vida e na luta com denodo

Por Dilza Maria Barbosa
“Nós somos do tecido de que são feitos os sonhos” (William Shakespeare) Sentir-se só, isolado em meio à multidão que o circunda, com julgamentos prós ou contra, resultado de sua atuação inédita e capacitada no maior e mais polêmico processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal na história jurídica do Brasil, “o Mensalão”, em um país marcado pela falta de coerência e honestidade no trato com a coisa pública por séculos. Uma reação normal para aqueles que, como o ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, enfrentam todos os dias de sua existência. A presença marcante do desejo de sobrepor-se ao insólito que a vida lhe apresentou ao nascer pobre e negro, refletiu de forma profunda e encantadora na formação de sua personalidade, quando procurou na adversidade o saltar para a vida usando como arma o próprio anseio de vencer. Nascido há 58 anos, de um pai pedreiro e de uma mãe faxineira, não se deixou abater, enfrentou com galhardia desde menino o trabalho árduo de auxiliar do pai em sua lida. Jovem ainda conseguiu trabalho como faxineiro no TRE do Distrito Federal, onde. cantando uma canção em inglês, foi encontrado pelo diretor do Tribunal que, curioso, admirou-se ao ver uma pessoa da faxina ter fluência em outro idioma. Surpresa essa que se transformou em admiração e abriu caminhos para seu exercício de trabalho em outras funções: primeiro como contínuo, depois como compositor de máquina off set na gráfica do Correio Brasiliense. Na sua humildade, seus olhos estavam fixos em um único ideal, vencer e ser útil. Partindo daí, ingressou na Universidade de Brasília onde cursou Direito e concomitantemente alçou ao cargo de oficial da chancelaria do Itamaraty, quando usando a vantagem incalculável do novo trabalho, viajou pela Europa e voltou ao Brasil para iniciar também por seleção, sua carreira diplomática, tendo enfrentado forte preconceito racial, barrado que foi na entrevista “a única na qual a cor de sua pele era identificada”. Prosseguiu altaneiro, rumo à sua realização pessoal e profissional. Embora este sentimento de solidão, por ele declarado, tenha sido percebido mais profundamente ao constatar-se minoria entre as elites fora de seu país em razão da cor de sua pele, este homem público enfrentou com ousadia o governo e a opinião nacional como relator do processo no STF, no julgamento de figuras proeminentes e emblemáticas, da mais alta liderança do governo, sem dúvida aplaudido por quase toda nação pela sua intrepidez e coragem, deixando para todos nós o alento de que pessoas sérias e doutas ainda permeiam nos ambientes internos de nossa máquina governamental. A bem da verdade, sabemos que tais elogios que saltaram dos lábios de grandes e pequenos, do Oiapoque ao Chui, no território deste Brasil gigante, irão ecoar por séculos em razão de sua coragem destemida e valor como pessoa, acrescentando ainda mais à sua rica história de vida, pois seus feitos remontam àquela infância sofrida e vitoriosa. O anúncio nesta semana de sua renúncia ao cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal a partir do final deste mês, visando aposentadoria, com certeza reforça seu sentimento de solidão e nos leva a compartilhar da sensação de ausência premente de uma pessoa que nos fez acreditar num Brasil justo e coerente, onde o mal é punido e os responsáveis são levados a pagar pelos seus delitos. Bom seria se fatos como esse se tornassem cotidianos em nossa política, onde a lei exista para proteger ou punir indistintamente a todos. Mas termos alguém que fizesse valer a lei em momento tão importante e polêmico, assim como aconteceu sob sua liderança, é um fato inédito que nos faz retomar o caminho da esperança, orgulhosos de tal atitude. Os reflexos de todo esse caso ecoarão sempre pelos meios jurídicos de nossos tribunais. Que suas dores físicas, estampadas em seu estar de pé por quase todo o desenrolar dos julgamentos, marquem seu esforço em levar adiante o desejo da nação em, assistindo publicamente, esclarecer fatos hediondos, onde o mais lesado foi, como sempre, o próprio povo brasileiro. Não estamos sós. Nos acompanhará a certeza de que seu exemplo servirá de guia para esta mocidade que surge contestadora, sinal de que, como nação, partiremos para dias melhores. (Dilza Maria Barbosa Ferreira, jornalista)

Nenhum comentário:

Postar um comentário