terça-feira, 27 de maio de 2014

A poesia surrealista de Geraldo Carneiro - II

Por Licínio Barbosa
Mais adiante, no livro “Por Mares Nunca Dantes” (1996~2000), o poema em homenagem ao “Cabo das Tormentas”; “Era Luis Vaz ao sul do fim do mundo / sulcando o mar em sua nave / ave avoando à flor das águas do Oceano / e sobre o mar a máquina do céu / como era dia ainda indecifrada / a luz das não-estrelas exceto o sol / e seu pendor para o esplendor. / Era Luís Vaz em sua nave ave / sem armas nem barões assinalados / no Oceano ao sul do fim do mundo / a caravela à luz das não-estrelas / avoando à flor da máquina do céu”. O próximo poema, ‘Sturm und Drang’: “E de repente (como já constassem do mapa-mundi a propensão do vento / e o nome naufragado a ferro e fogo:CABO DAS TORMENTAS, / O ‘rendez-vous’ dos ventos desvairados, / e afora isso os deuses conspirando / Netuno e sua Corte: As nereidas / ninfas, sereias, etc. (Cf. ‘Os Lusíadas’, Cap.VI) / a cúpula do céu despencou”. Após, o poema “O Elogio das Índias Ocidentais”: “E Luis Vaz, estupefato, proclama: / Oh maravilha ilha brasílica! / E se supõe no Paraíso Terreal! / Entre deusas d’África, fêmeas seráficas / perséfones ávidas de riquezas / âmbar-gris ($7) marfim ($18), ébano ($6) odaliscas de alma almiscarada / ($25 a hora)”. Mais adiante, o poema “Posfácio”: “Se não me faltassem engenho e arte / escreveria um conjunto de notas / à maneira de T.S.Eliot / para revelar as filigranas e firulas de erudição (ou, pelo menos, de Eros-dicção), / que sustentam a assaz improvável viagem / de Luis Vaz de Camões à terra das vergonhas saradinhas”. Vem, após, o livro “Folias Metafísicas”, coleção de poemas de 1993-1995). Primeiro poema, “À Flor da Língua”, em que o poeta proclama: “Uma palavra não é uma flor / Uma flor é seu perfume / e seu emblema o signo convertido em coisa-íma/ imanência em flor: /prestígio poético das flores / Com seus Latins latifoliados/ na boca do botânico amador) / a palavra não é só florilégio / ficção pura, crime contra a natureza / por exemplo a palavra amor”. Em “O Grafito do Inferno” (Copyright by Dante Alighieri), a legenda terrível: “Lasciat / ogni Speranza / voi Che / Entrate”. Em “A`flor da fala”, Geraldinho declama: “É daqui mesmo que eu te conheço? / ah , não ? então de que ouro lugar será / que eu não te conheço se eu fosse místico /talvez redecifrasse a tua face / de alguma encarnação imemorial / (ou desde o princípio dos tempos, / antes que os deuses desonvetassem / os carnavais do caos); / Mesmo não sendo místico diria / desse pequeno prenúncio de apocalipse: / agora sim compreendo a música das esferas, / os teoremas de Arquimedes de Siracusa,/ a mecânica celeste e todos os demais / mistérios do reino deste um no só quero / conhecer-te ainda nesta encarnação: antes que a minha alma improvável / se arremesse nas províncias do nada, / a morada dos seres sem amor.’” No poema “Amor”, mais uma manifestação do bardo: “Uma ave uma aventura um avião / Um Taj-Mahal um talismã / uma talvez coisa-flor / aflora do meu teu coração”. No livro “Desinvenção de Orfeu”, o poema “A origem da espécie”, que lembra o mítico Darwin: “Orfeu, filho de Calíope, / era capaz de encantar as feras/ e fomentar o balé das pedras / só às expensas do canto & da lira, / em busca de Eurídice, a falecida, passou uma ‘saison’ no Inferno / onde ganhou as graças de Perséfone / e o direito ao resgate da amada / se resistisse ao sol da sua face / até que a luz exterior a iluminasse / etc. / Conheceu o luto do absoluto / expôs-se ao sol nas praias do arquipélago/ e criou um culto em honra de si mesmo. / Como desfecho, duas hipóteses: 1) Ou despertou a ira de dionisos / cujas asseclas Mênades o degolam / e sua cabeça ainda cantou à flor do mar / no rumo da ilha de Lesbos. / 2) Ou foi fulminado por um raio / por divulgaros segredos do céu”. No livro “Panglossário dos seres inessenciais”, o poema 1. Ei-lo: “No princípio, o mar era um abismo/ povoado por serpentes & dragões / depois vieram o astrolábio, as caravelas / a Escola Náutica de Sagres / (a NASA das marinhas quinhentistas) /e os astronautas do século XVI / atravessaram o Mar Tenebroso / para empreender a conquista da Lua / ou melhor, das Américas. / O mar perdeu em parte o seu prestígio / devassado por bateis batiscafos / hoje qualquer Jacques Cousteau se imagina / senhor de sereias e sargaços / supõe-se rei reivindica Tordesilhas / Antilhas dêsaméricas/ e se banha ao sol pedestremente / supondo-se ao nível do mar”. No livro “Desinvenção de Orfeu 2”, o poema “Canção do Exíio”, lembrando Gonçalves Dias: “O poeta sem sua plumagem/ é um deus exilado do cosmo / ‘strip-teaser’ metafísico / só lhe resta sambar no inferninho do caos / sob os neons do nada / sempre nu diante do espelho / sem espelho diante de si”. (Licínio Barbosa, advogado Criminalista, professor Emérito da UFG, professor Titular da PUC-Goiás, membro Titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro Efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 - E-mail liciniobarbosa@uol.com.br)

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