quinta-feira, 29 de maio de 2014

Casapueblo, casapovo

Por Rafael Ribeiro Rubro
Chegado na noite de ontem em Punta del Este, de novo me afagou a mão do afogado – deve ser um gigante, tamanhas falanges. A cidade-balneário muito calma, pouca gente, sem temporada, Playa Brava e ruas mansas... Desde a última vinda a estas terras uruguaias e algo nuvem me chamava: – Casapueblo me invocava. Que hoje fui então ao chamado. Atendi e segui a voz tão forte quanto branda, pois que também mar também aroma... Que vontade imensa de ficar na casa e morar entre céu e ondas, cantos de gaivotas e acordes da maré. Tudo ali é um hino do artista à casa-vida, à mulher-casa, à natureza e a Deus, que cria, e quão bem cria, que nos é dado levantar casas, fazer artes e agradecer. Carlos Páez Vilaró é artista de Uruguai tatuado. Tal como este sol oriental flameja marcado em seu peito, também suas artérias mais calibrosas, num enredo mui bem tramado, prendem a alma alegre e gentil desta gente que amo – e uma vez mais confirma meu encanto. Para erguer a casa: 30 anos. E para erguer a casa: o tempo eterno. Com suas mãos todo coloridas espalmou a alvura massa de Casapueblo, juntando procela de mar, concreto de montanha, cimento de esvoaçar vistas, argamassa de pescadores, acabamento de raios solares e nuvens com dulçor, para ao fim (ou ao entremeio) regalar não só a si, como também e inda mais aos irmãos do mundo, esta delícia branquinha, alfenim de Punta Ballena. Tudo feito com amor, com trabalho pertinaz, paixão por sua terra e gente, pela arte, natureza, pelo sol do Uruguai: assim rimo Vilaró. Na sensualidade das formas, qual no seu eclético, no seu universal, no branco, nas ondas, no vento, no mágico do ali se sustentar (como?!)... motivos me sobram para aceitar o convite da casa a mim: – venha morar! Respondi assaz hesitante, recitando, digo: reticente, que tinha mais chão a andar, seguir a mais plagas e povos... E que ali não apenas eu moraria, – moro, como todos que passam ficam, e na gente também fica a casa. Acabo por constatar caso curioso duma casa que mora ao sempre em seus moradores todos. Tatuado em minh’alma o alvor desta Casapovo. E pelo cântico apaixonante da bela sonoridade castellana, não me cansa de bisar a mente Casapueblo, Casapueblo. Nome de quem se compartilhou. Nome que artista batizou. Porque casa é algo tão particular, tão da gente mesmo, que nomeá-la com “pueblo” ao fim – como que para o povo – é ato corajoso, desprendido. E prender pra quê? Coisa das lindas. Dar às gentes a arte e a casa, o cerne e o tronco, o amor e as paredes, a seiva e a fronde, que ao artista serve sua vida para mais espalhar que guardar. Que ao artista não vale o acúmulo das sementes, senão a colheita compartida do fruto. A riqueza não aumenta com o que se junta, mas com o que se espalha, na multiplicação do amor. Em meio às formas voluptuosas, vívidas cores cálidas, saliências corpos vísceras deste Carlos Vilaró, dentre outras, restarão mais acesas tais dúvidas: – Presta reverência a casa ao mar? Ou o mar se curva ante a casa? E quem ama mais? Mais ama ao céu a morada? Ou por seu louco amor, a reivindica a seus pássaros o firmamento? Colônia do Sacramento - Uruguai, 06-05-2014. (Rafael Ribeiro Bueno Fleury de Passos, nome literário Rafael Ribeiro Rubro, advogado, escritor, poeta e cantor - rafaelrpassos@hotmail.com)

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