segunda-feira, 26 de maio de 2014

"Pedro, tu és pedra: firmeza, sabedoria, fé..."

Por Iron Junqueira
...Fazia uns vinte anos que eu não via o amigo Pedro Prudente. Certa ocasião telefonou-me e foi aquela festa! Conversamos sobre como a vida aparta as pessoas, embora se tenham notícias delas. Trouxe-me algumas surpresas, entre outras, de que era genro do nosso mestre Moacyr Salles, genial poeta e escritor, companheiro de luta de meu pai, Sebastião Junqueira, e meu orientador. Falou-me que desejava editar um livro. Mas que depois voltaríamos a conversar, pois havia a possibilidade de publicar dois, em vez de apenas um. Mais ou menos seis meses se passaram e Seu Pedro voltou a me telefonar. “—Dá para fazer o orçamento dos livros, são dois, quero-os bem simples, pois você sabe que eu sou muito simples”. “— Sei, doutor...” Pediu-me silêncio absoluto sobre suas obras, esclarecendo que seria surpresa. Falei ao Paulo Sérgio Rodrigues, meu filho de criação, que fosse à casa do odontólogo e buscasse os originais, fizesse o orçamento e o entregasse a ele. Isto feito, Dr. Pedro voltou a usar o telefone e conversamos. “— Eu tenho certa pressa, Iron...” “— Fique tranquilo, doutor, vou lhe fazer uma surpresa”. E o fiz: ao invés de entregar um livro, entreguei-lhe as duas obras. “— Quero que o senhor venha aqui buscá-los, doutor, pois o senhor não quer que ninguém fique sabendo, e eu faço questão de ver seu rosto, ao notar que seus livros ficaram lindos, de alta qualidade”. “— Tudo bem”, respondeu Pedro Prudente, gentilmente e demonstrando uma incontida alegria. Veio até ao Lar HC, era sábado, dia 26 de junho, eu tinha ido, a pé, visitar o amigo José Roriz de Paiva, mas, infelizmente, não encontrei ninguém em casa. Voltei e o Paulo Sérgio me disse que o Dr. Pedro estivera procurando por mim, estava muito contente, mas desejava falar-me pessoalmente, e me agradecer, coisa assim. Foi nesse encontro entre Pedro e Paulo (nenhuma alusão aos apóstolos) que Prudente contou ao meu filho adotivo: “— Já comprei as caixinhas, levarei os livros para a chácara e farei um kit para distribuir aos parentes, amigos especiais e irmãos da minha igreja”. Conversaram muito. Depois, retornou ao Lar Humberto de Campos mais duas vezes e, nas três visitas, não me encontrou nem ao Paulo, mas entregou uma cartinha (que a publico abaixo) à Maria Morena, minha esposa. No domingo, dia 27/06, fui fazer uma caminhada, não para me exercitar (...é que meu carro fundira o motor e eu tinha mesmo é que andar), descontrair-me, deixar os problemas, preocupações e lucubrações derramarem pelas ruas da cidade, andei de coletivo (gostei da qualidade do ônibus do Miguel Braga), desci distante de casa para caminhar mais um pouco; perto de casa, na rua Pinheiro Chagas, sentei-me num banco em frente a uma residência, uma criança passou por mim, entrando na casa vizinha, espraiei olhar perdido para o espaço e meditava, passou por mim o médico Antônio Jorge (Hospital da Criança), deve ter estranhado ao me ver ali solitário num banco e indagou-me enquanto fazia seu Cooper, usando tênis e short: “— Você mora por aqui? e indicou com os olhos as casas às minhas costas. “— Não, doutor, estou só descansando”. Permaneci ali por alguns minutos curtindo o velho hábito de mentalmente “conversar com Deus”, o que o fazia estranhamente emocionado, não sei porque. Até perguntei-me: “Será que estou começando a ter fé?” Levantei-me e cheguei em casa. Em seguida à minha chegada, o telefone tocou. A Maria Morena me transferiu a ligação. Era o doutor Pedro Prudente. Ele estava feliz, passou-me um reconhecimento que ninguém jamais o fizera, não que a gente quisesse reconhecimento, mas quando a mensagem é espontânea e vinda de quem veio, é altamente gratificante. Enquanto ele dizia aquelas palavras de grande espiritualidade, minha mente voltou ao instante em que eu estava sentado no banco “conversando com Deus” e eu Lhe indagara: “Senhor! Valeu minha luta? Valeu tanto sofrer? Valeu o Lar da Criança? Ninguém nada me diz, só me aborrecem, me cobram, me vigiam! Não valeu tanto sacrifício? O Senhor manda “pedir”, e eu peço uma resposta, mas não ouço nem vejo sua resposta em momento e lugar nenhum! Ora, Deus: o Senhor “parece que não sei”?... E estava ali, ao telefone, a voz de Deus, me dizendo frases profundas e verdades candentes através de Pedro Prudente, o humilde, o cristão forte na fé, irreversível na crença da bondade infinita e imutável do Pai, falou da importância do meu trabalho e insistiu: “—Continue com sua obra divina que só o Pai reconhece e vê, prossiga nesse isolamento compulsório qual sentinela dos anjinhos da terra” Percebi que aquela emoção lá no banco da rua teve sentido, já era uma resposta de Deus, e ela voltava a convulsionar minha alma, com as palavras do Pedro Prudente, cuja fala humilde e mansa me convencia de que minha prece foi ouvida e que a resposta à minha bronca ao Grande Pai estava ali, sendo dita, clara e nitidamente. Despediu-se emocionado, dizendo: “— Vi uma menininha na sua casa, com dificuldade para pegar o pão em cima da mesa”, então, me lembrei que tenho uma cadeirinha de criança servir-se à mesa, posso leva-la?” “— Claro, doutor.” Depois vim a saber que a garotinha que ele viu era a Marcella, de dois aninhos, minha netinha. Despedimo-nos emocionados. Eu, mais ainda: houvera tido uma “briga” com Deus e Sua resposta estava ali. Mais precisamente nas palavras escritas, quando Maria entregou-me um envelope do Professor Pedro, dizendo-me: “— Ele pediu que lhe entregasse esta carta”, em que, no epílogo, escrevia: “Obrigado, amigo. Com sua equipe, realizando um trabalho digno do seu grande nome, “o homem do amor pelo próximo”. Resumindo: enquanto, pelas ruas, eu inquiria Deus, Suas respostas me aguardavam em casa. Orar descrentemente gera fé. Eu não sabia. Aprendi. Dia seguinte, segunda-feira, 28 de junho, reuni minha equipe e demos continuidade ao terceiro livro do Professor Pedro Prudente, dizendo: “— Vamos prosseguir caprichando no livro do mestre da referida obra. Eu, o Paulo Sérgio, o Iron Junior, Vanderley e o Reinaldo Marinho, examinando nosso trabalho, exclamamos: “— Se ele gostou dos outros, vai adorar este. O Aprendiz de Crônicas II”. Quando foi à tarde, o poeta Paulo Nunes Batista me telefonou: “Sabe quem faleceu?” E me disse, acrescentando onde estaria o corpo sendo velado, arrematando: “Vou fazer uma prece para ele e nos encontraremos na capela daqui a quinze minutos”. Chamei o filho adotivo: “— Vamos, traga o seu carro!” “O que houve?” “— No caminho lhe conto. Traga o seu carro, preciso ver pelo menos o corpo de quem não vejo há vinte anos”. “— De quem?” Perguntou o moço. Quando revelei ao Paulo tratar-se do nosso ilustre cliente, o rapaz ficou pálido e não falou mais, até o dia seguinte... Quando chegamos à tal capela em frente ao Supermercado Pro-Casa, era a décima nona hora. Estava tudo quieto, fechado, sem iluminação. Encontrei o Sebastião Cunha no mercado e ele me disse: “Já foi sepultado, ás 17:30hrs...” Vinte anos sem ver o Professor Pedro. A modernidade, o telefone, a correria para a vida e o termo dela sem aviso prévio. Mas tenho cá comigo que ele sabia... Deus falava com ele muito de perto. Em seu livro, Prudente escreveu: “Estou deitando para dormir e descansar. Se não acordar, pense muito, antes de falar que morri. Posso ter nascido para a vida eterna”. Disse tudo. Será por aquelas bandas que o encontrarei, pessoalmente, um dia, sei lá, a qualquer hora ou minuto... (Iron Junqueira, escritor)

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