quarta-feira, 28 de maio de 2014

Eu não tenho Whatsapp

Por Rodrigo Paes Lima
Pronto. Sou o mais novo integrante da linha de smartphones. Não que tenha procurado por isso, mas digamos que acabei aderindo a um processo que parecia inevitável. Eu me orgulhava do meu celular simplesinho, sem aplicativo algum, que apenas ligava, recebia e passava mensagens. Era perfeito pra mim, não precisava e não preciso mais que isso. Resisti até quando pude a esses telefones modernos que fazem de tudo. Não que eu seja contra a tecnologia. Só não queria ser mais um na multidão a ficar boa parte do dia olhando e digitando no celular. Não queria ser escravo dessa tecnologia que já “escravizou” uma boa parte do Mundo. Adorava dizer: “não meu amigo, não tenho whatsapp”. Mas agora isso mudou. Mudou porque meu celular estragou. Fui ás lojas olhar um modelo igual e quem disse que acha? Hoje só se vende aparelhos com wi-fi, bluetooth, câmeras à frente e atrás, android isso, android aquilo, com acesso ao tal do whatsapp e redes sociais infinitas. Enfim, fui obrigado a comprar um desses. Agora meu novo celular tem tudo isso aí. Se vou usar tudo? Provavelmente não. Mas tenho escolha? Meus amigos dizem: “porque comprou um telefone mais moderno se não vai utilizar o que ele oferece?”. Primeiro: só comprei desses modelos porque o mercado assim exige, já que os modelos mais simples como o meu velho celular é quase impossível de achar. Segundo: Se a expressão “não vai utilizar o que ele oferece” se refere a ficar tirando fotos o dia inteiro, baixando vídeos e publicar isso nas redes socias da vida, então minha resposta é: “realmente não vou utilizar o que ele oferece”. Indo contra a pelo menos 80% da população, não tenho a mínima vontade de ficar exibindo minha vida o tempo todo nas redes sociais. Me dá preguiça. Eu fico vendo o facebook da galera e me imaginando fazendo o mesmo. Ficar postando foto o tempo todo, curtindo fotos de outras pessoas e ficar comentando tudo e qualquer bobagem que colocam lá. Não, isso não é pra mim. Mas eu tiro o chapéu pra quem consegue, pois eu acho que essa pessoa não deve fazer mais nada na vida. Profissão: curtidor de facebook. A agenda do cara é cheia. Já começa o dia assim: “bom dia face” (costuma vir acompanhado de uma foto de natureza com algum recado do Dalai Lama). Daí o cara vai pra academia e posta outra foto: “hora de malhar”. Sai da academia e pega trânsito, daí ele tira uma foto do sinal fechado e posta: “cansado da malhação e olha que inferno de trânsito que pego”. Como se o trânsito fosse infernal só pra ele. Continuando. Chegando em casa ele tira uma foto em frente ao espelho enrolado na toalha: “hora do banho galera”. Sai pra almoçar e tira uma foto do prato de comida (essa é clássica, quem nunca fez isso?): “hummmm que delícia, alguém aí aceita?”. Dá vontade de responder:” sim, aceito. Mas e aí, vai me enviar um pedaço dessa batata como? Por e-mail? Por bluetooth, whatsapp ou pombo-correio?”. Continuando, ainda estamos na metade do dia. Ainda no restaurante ele posta uma foto de piada sendo que essa mesmo foto já foi postada por pelo menos umas 30 pessoas. Mas ele é esperto, e ainda deixa sua marca: “kkkkkk”. Para no salão e corta o cabelo. É claro que essa não ia faltar: “curtiram meu corte novo?” O corte é cópia do Neymar, então a resposta fica a cargo de cada um. Já à noite, se prepara para alguma festa: “partiu balada, fui”. Chegando à balada mais uma foto, dessa vez da mesa repleta de bebidas e drinks e ele e o grupo de amigos fazendo caretas e cara de mau: “começando os trabalhos”. No meio da balada outra foto: “curtindo festa tal, no lugar tal, com presença de tais pessoas”. E no fim da noite, pra encerrar um dia muito corrido e também pra dar descanso pro coitado do celular, ele posta a última foto do dia: “boa noite face”. (OBS: estou dando um desconto aqui porque grande parte desses recadinhos o cidadão consegue escrever numa língua que nem o ET ia entender. É qualquer língua ali, menos o português. Eu não sou tão avançado assim, não consegui reproduzir aqui tal escrita). Ah não gente, isso não é vida não. Que coisa mais chata que virou essa mania de ficar falando e mostrando sua vida o tempo todo. Se fulano vai a tal lugar parece que ele é obrigado a comunicar a todo mundo que ele está lá. E já viu que todo mundo no face é feliz? Parece que tristeza não ronda ali. É a viagem maravilhosa que ele está fazendo, e dá-lhe fotos do lugar. É a festa mais irada que existe. É o melhor carro do mundo, o melhor relógio do mundo, o melhor vestido do mundo, a melhor família do mundo, e sobra até pros bebezinhos, que já viram celebridades instantâneas antes mesmo de falar “mamãe”. É um exibicionismo, uma mania de querer aparecer a qualquer custo. Eu fico imaginando se algum dia o Sr. Zuckerberg fechar o Facebook, esse povo todo se suicida. Um amigo meu diz: “o face é meu e coloco lá o que quiser”. Está certo, concordo. Mas eu devolvo a pergunta: “e seus amigos são obrigados a ver todas as bobagens que você coloca lá?”. Bom senso. Creio que a palavra chave nesse caso é bom senso. Outro dia vi um cara postando assim: “no banheiro fazendo o numero 2”. Daí eu digo, que merda (literalmente) é um post desse? A quem possa interessar saber disso? E tenho um conhecido que tem a mania de ficar postando frases feitas de Marx, de Proust, de Einstein, de Copérnico dentre outros. Esse cidadão nunca leu um livro na vida, nem o Pequeno Príncipe, portanto tenho certeza que ele não faz ideia de quem são esses pensadores, mas não, ele tem que passar uma imagem de intelectual, de sábio, de cult, e ficar esperando os vários “curti” que irão aparecer debaixo da mensagem. Veja bem, não sou contra ao uso das redes sociais, tanto que estou aqui usando uma para expressar minha opinião. O que sou contra é essa mania de ficar se expondo o tempo todo, essa mania de se auto exibir. As redes são muito úteis, quando sabemos utilizá-las. O bom uso da mesma pode ser muito benéfico à vida pessoal e até profissional. Basta usá-la com responsabilidade. Mas todo esse assunto se iniciou por causa do meu novo celular, um smartphone da vida. Essa nova tecnologia e o fácil acesso a ela criou uma onda de “escravos”. Hoje qualquer um pode acessar a internet, aos vídeos e e-mail a qualquer hora e a qualquer lugar. Nasceu assim a “escravidão do século 21”. Basta olhar para o lado. Na escola, no trabalho, no restaurante, na academia, no estádio, no ponto de ônibus, estão todos de cabeça baixa olhando e digitando no celular. As pessoas não se olham mais. Em uma mesa de bar as pessoas conversam olhando para o telefone. O casal namora através do aparelho de celular. Aliás, cabe aqui um parêntese: atenção meninas: em terra de facebook e whatsapp, “ligação” pode ser considerada uma declaração de amor, já que o hábito de “ligar pra alguém”, “ouvir a voz do outro lado da linha” parece ter virado coisa de museu. Enfim, era dessa “escravidão tecnológica” que me referi no início do texto e do qual não pretendo fazer parte. A tecnologia quando une as pessoas é ótima, mas nesse caso parece fazer o contrário. Hoje temos mais “amigos virtuais” que amigos de verdade, de carne e osso. Não tem coisa pior do que esta conversando com uma pessoa e ela esta com o maldito smartphone na mão sem prestar atenção na conversa. Tecnologia foi feita para auxiliar as pessoas e não as emburrecer como vêm acontecendo. Eu posso daqui a alguns dias queimar minha língua e passar a fazer igualzinho tudo o que exemplifiquei aqui. Mas me conhecendo, eu acho que não corro esse risco, vamos ver. A minha vontade mesmo era continuar dizendo: “não meu amigo, não tenho whatsapp”. (Rodrigo Paes Lima, administrador de empresas, pós-graduado pela FGV e criador da página “Coluna do Urubu” no Facebook)

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